15 de fevereiro de 2012

As Aranhas (desta vez no Brasil)

Na sequência de um post anterior, aqui fica, através do blog do Instituto de Pesquisa em Vida Selvagem e Meio Ambiente, imagens de um fenómeno semelhante, mas desta vez ocorrido em Iranduba, na zona metropolitana de Manaus, Brasil.


Deixo também um excerto do post onde encontrei esta magnífica imagem.



Uma colônia de aranhas do gênero anelosimus teceu teias gigantes em copas de árvores, cercas de madeira e no pasto de uma fazenda em Iranduba (região metropolitana de Manaus).

Segundo a especialista em aracnídeos Lidianne Salvatierra, do Inpa (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia), o fenômeno é raro em áreas distantes de florestas nativas.

Salvatierra disse acreditar que as aranhas tenham migrado para as árvores da fazenda por um fenômeno de dispersão.

A espécie de aracnídeo tem menos de um centímetro de comprimento.

“Essas aranhas são originárias de floresta tropical. Como são bem leves, um vento ou um animal pode ter ajudado na dispersão.”

[…]

A imagem das árvores encobertas por teias lembra um cenário de ficção científica. O dono da fazenda não quis se identificar para a equipe do Inpa.

De acordo com a especialista, as aranhas tecem as teias há três meses. Amostras da espécie foram coletadas para pesquisa e registro no instituto.

Segundo a pesquisadora, as aranhas anelosimus se agrupam em teias individuais até a formação de ninhos coletivos –por isso são chamadas de “aranhas sociais”.

As teias servem de abrigo e de armadilha para insetos. Grossos, os fios das teias são resistentes ao calor e à chuva amazônica.

O movimento de borboletas que tentam se livrar das teias consegue desfazer pequenas partes da estrutura. “Mas milhares de aranhas capturam as borboletas antes que isso aconteça”, conta Salvatierra.

14 de fevereiro de 2012

Brainstorming e o pensamento de grupo


(via New Yorker)
Na New Yorker, Jonah Lehrer publicou um fantástico artigo sobre o “pensamento de grupo”, que merece ser lido na íntegra.

Aqui fica, no entanto, uma breve sinopse, com algumas das ideias chave.

A ideia de desenvolver pensamentos e ideias em grupo tem uma longa história, mas recebeu um impulso inovador em 1948, quando um publicitário americano, Alex Osborn, lançou um livro intitulado “Your Creative Power”, no qual se propunha revelar os seus segredos criativos.

Desse livro, o “segredo” que se viria a revelar fecundo foi a descrição do processo de brainstorming, que, desde então, tem vindo a ser utilizado em diversas áreas da actividade humana.

O princípio é simples. Um grupo deve reunir-se e lançar ideias sobre o tema em discussão, sem se preocupar com a qualidade, mas sim apostados em gerar quantidade, muitas vezes através de uma livre associação de ideias. Entra também na equação uma outra regra, que é decisiva: não pode existir qualquer espécie de criticismo ou negatividade nas reacções.

O propósito desta metodologia é impedir que as inibições naturais decorrentes do potencial de receber uma crítica sufoquem boas ideias logo à nascença.

O brainstorming foi um sucesso e entrou na cultura empresarial e popular das sociedades ocidentais.

Só existe um problema. De acordo com os estudos efectuados sobre o assunto, o método brainstorming simplesmente não é eficaz.

Quantidade de ideias? 

Desde o primeiro teste sério efectuado em Yale, em 1958, já se efectuaram dezenas de estudos e todos apontam para as mesmas conclusões.

Na realidade, sessões de brainstorming produzem menos ideias do que se o mesmo grupo de pessoas trabalhar individualmente e depois reunirem as ideias numa reunião subsequente.

Ou seja, o processo brainstorming, ao contrário do que intuitivamente esperamos, não gera uma maior quantidade de ideias do que o trabalho individual.

Mas, e quanto à qualidade?

Osborn estava certo que processos de grupo são hoje incontornáveis.

Na ciência, os trabalhos individuais são incrivelmente menos bem sucedidos do que os esforços colectivos, levando muitos a considerarem que os avanços efectuados conduziram a problemas de tal forma complexos que uma só pessoa não pode simplesmente abarcá-los. Os investigadores são forçados a especializarem-se e a colaborarem, uma vez que os avanços se dão nas intersecções dos seus saberes.

Mas se as sessões brainstorming não correspondem ao método mais eficiente para mobilizar o potencial de um grupo, qual é, afinal, o modelo correcto?

Charlan Nemeth, da Universidade da Califórnia, em 2003, parece ter demonstrado que os grupos que interagem num cenário de debate são os mais produtivos, gerando mais e melhores ideias.

De alguma forma, a crítica (e a antecipação da crítica) força-nos a raciocínios diferentes e mais cuidados. Por outro lado, o simples facto de sermos nós também forçados a analisar criticamente as opiniões dos outros, potencia a produção de ideias próprias mais originais e sólidas, acolhendo já contributos, muitas vezes indirectos, dos outros.

Também a exposição a perspectivas diferentes gera criatividade.

Na realidade, a associação livre de ideias não gera, em regra, ideias criativas. Se alguém disser “azul”, a maioria das pessoas vai pensar em “verde”, “mar” ou “céu”. Se alguém disser “verde”, a maioria das pessoas diz “relva”.

Para gerar criatividade, Nemeth conduziu experiências em que algumas pessoas foram expostas a descrições erradas das cores. Ou seja, um assistente de Nemeth, vendo um painel azul, dizia, em vez disso, outra coisa qualquer. De imediato, em vez de associações óbvias a “céu” ou “mar”, o azul desencadeou respostas como “jazz” ou “tarde de mirtilos”.

Assim, a exposição a pontos de vista diferentes (condições de debate), mesmo que errados (como, por exemplo, neste exemplo da experiência realizada com as cores), abre-nos caminho à criatividade.

E qual a composição ideal de um grupo de trabalho?

De acordo com investigações citadas pelo artigo de Jonah Lehrer, um grupo de trabalho atinge o seu máximo potencial quando mistura um núcleo de pessoas que se conhecem bem com membros exteriores, que conseguem infundir “novidade” nessa estrutura bem oleada.

Se todos nos grupo se conhecerem bem, a tendência será para que caiam nas respectivas áreas de conforto.

Se ninguém se conhecer, todos vão sentir dificuldade em desenvolver as ideias.

E qual a proximidade física que deve existir entre pessoas que trabalham para um mesmo objectivo?

Uma equipa da Harvard Medical School determinou, comparando milhares de trabalhos face ao seu impacto na comunidade científica e relacionando a proximidade física dos respectivos autores, que a qualidade aumenta com a proximidade no local de trabalho.

Os trabalhos mais citados foram produzidos por pessoas que trabalhavam a algumas dezenas de metros uns dos outros.

O número de citações diminui à medida que a distância entre os colaboradores aumenta.

Não obstante os avanços tecnológicos e comunicacionais, o grau de criatividade e qualidade do trabalho de grupo é potenciado pelas frequentes e espontâneas interacções físicas entre os colaboradores.

(via Wired)
Nesse sentido, Lehrer cita o exemplo de Steve Jobs que instalou a sede da Pixar em redor de um átrio central, onde se encontravam as casas-de-banho, os cacifos postais, salas de reuniões e a cafetaria, forçando os vários colaboradores da empresa (animadores, guionistas, desenhadores, etc.) a encontrarem-se várias vezes ao longo do dia. 

Dessa forma, Jobs pretendia potenciar a magia que muitas vezes surge dessas interacções espontâneas entre pessoas que trabalham para um mesmo objectivo, ainda que muitas vezes focadas nas suas áreas específicas de actuação.

A última parte do artigo de Lehrer é talvez a mais fascinante, fazendo alusão ao Building 20, do MIT. Merece realmente uma leitura atenta.


13 de fevereiro de 2012

Uma explicação “genética” alternativa para as desigualdades económicas inerentes às sociedades humanas

Na sequência de um post anterior sobre o tema das desigualdades sociais e possíveis explicações "genéticas", aqui fica a prometida teoria alternativa.


Todos os anos é proposta aos diversos colaboradores da Edge, alguns dos mais brilhantes pensadores da actualidade, uma única questão de natureza geral (no passado, o mote para a reflexão foram questões como "o que mudará tudo?" ou "de que forma a internet está a mudar a forma como pensamos?"), sendo depois os vários contributos coligidos e disponibilizados publicamente.

Para 2012, a Edge pedia aos seus colaboradores que indicassem qual seria a sua “explicação profunda, inteligente e elegante favorita”.

Steven Pinker, num curto ensaio de resposta, referiu-se à possibilidade da genética evolucionária explicar os conflitos inerentes à vida social humana.
(via New York Times)
Sendo a vida complexa o produto da selecção natural, impulsionada pela competição entre semelhantes, os vencedores serão aqueles que melhor mobilizarem a energia e os materiais necessários para se copiarem e depois, numa segunda fase do processo, melhor mobilizarem novamente as suas energias e materiais para ajudarem a que as suas cópias se copiem também.

Assim, a selecção natural favorece a alocação de recursos à descendência e, num segundo plano, àqueles que nos são próximos, numa esfera de influência que se vai expandindo desde a família alargada até às demais células sociais com que nos identificamos (aldeia, região, país, continente, etc.) na exacta proporção em que diminui o incentivo a esse esforço de partilha dos nossos recursos.

Este impulso para transmitir os genes através das gerações explica muitos dos factos da nossa vida social enquanto espécie.

Considerando a finitude dos recursos disponíveis, torna-se, desde logo, evidente que o conflito é inerente à condição humana, como a história , agora sim sem margem para refutação, nos demonstrou.

Será, então, na família (um conjunto de indivíduos com um interesse evolucionário comum na prosperidade mútua) que se encontrará o principal refúgio do conflito. 

Assim se explica que os líderes procurem tradicionalmente transferir o poder para a sua descendência (poder político, mas também poder económico) e que as grandes doações de riquezas ocorram habitualmente no seio da família (tendo o fenómeno sucessório como paradigma máximo).

É neste ponto que, parece-me a mim, podemos encontrar a melhor explicação “genética” para o agravamento do fosso entre ricos e pobres a que o avançar dos tempos conduz.

De facto, a nossa tendência inata para proteger a nossa descendência explica em grande parte as desigualdades sociais que o decorrer do tempo e a sucessão de gerações vão tornando mais evidentes.

Assim, se considerarmos que no nosso desenvolvimento, regra geral, todos beneficiamos das condições criadas pelos nossos pais, é óbvio que aqueles cujos progenitores conseguirem transmitir melhores recursos irão beneficiar de vantagens competitivas que depois, fazendo uso do seu potencial próprio, poderão utilizar como alavanca para uma mais pronunciada progressão profissional.

Essa mais pronunciada progressão, ao contrário do que é sugerido no artigo que comecei por citar no post anterior, não tem necessariamente de resultar de superiores capacidades cognitivas, mas sim, em muitos casos,  de simplesmente se ter partido de uma posição diferente em relação aos demais competidores.

A explicação para a desigualdade pode estar, de facto, nos genes… 

Relacionado com o tema, vale a pena ler o artigo de Pinker no New York Times, "My Genome, My Self".

A explicação para a desigualdade de rendimentos no Ocidente está nos genes?


Leia aqui, na The Atlantic, um artigo perturbante e polémico acerca dos motivos pelos quais, segundo o seu autor, Charles Murray, o fosso entre ricos e pobres nas sociedades ocidentais se tem vindo a agravar. 

Segundo este investigador, vivemos numa conjuntura que valoriza os melhores cérebros e os descendentes das elites estabelecidas, por motivos que tentarei resumir abaixo, supostamente beneficiam de superiores capacidades congnitivas, logo alcançam maiores sucessos profissionais. 

(via The Atlantic)
Para expor a sua teoria, Murray começa por referir que, dada a complexa estrutura organizacional económica das sociedades actuais, o trabalho intelectual é hoje mais valorizado do que nunca.

Assim, as superiores capacidades cognitivas (para utilizar a expressão do autor) de um determinado indivíduo podem hoje ser mobilizadas de forma a que rendam tanto dinheiro que isto tem por efeito o aumento exponencial da remuneração dos mais “inteligentes”.

No fundo, o facto daquilo que está em jogo nos actuais mercados globais serem valores muito superiores àqueles que existiam no passado faz com que o valor atribuído às capacidades intelectuais daqueles que lideram suba também em proporção.

Apoia também a sua hipótese na constatação de que na América, desde 1970, o rendimento das famílias de classe média e baixa tem vindo a cair, a favor das classes mais elevadas. Na realidade, essa queda só não foi mais visível porque a redistribuição fiscal promovida pelos governos atenuou os efeitos desta mudança de paradigma em relação à realidade mais igualitária que havia saído do pós-Segunda Guerra Mundial.

Partindo desta premissa (a de que a elite é melhor remunerada por ter maiores capacidades intelectuais, ideia que adiante abordarei criticamente), Charles Murray sustenta que os pilares da divergência entre ricos e pobres assentam hoje em duas instituições: o casamento e a universidade.

(Refeitório da Universidade de Harvard)
Começando pelo ensino, Murray refere que cerca de 10% das universidades existentes nos E.U.A. acolhem uns espantosos 20% da elite de estudantes cujos resultados nos exames de acesso (os vulgarmente denominados “SAT”) se situaram no grupo de 5% de candidatos com melhores resultados.

Em 2010, pelo menos um dos pais de 87% dos alunos que obtiveram resultados nos SAT acima de 700 (o que é considerado um óptimo registo) tinha formação universitária.

Assentando em dados desta natureza, o autor conclui que as escolas de elite são dominadas pelos filhos das classes média-alta e altas porque estas produzem um número desproporcional de crianças “inteligentes” em relação às demais.

E como é que isto sucede? Por via do casamento.

Assim, sugere o autor, o casamento segue-se à universidade como segundo pilar desta tendência de agravamento das desigualdades sociais.

Neste contexto, o autor refere-se à homogamia, ou à tendência para os indivíduos com características semelhantes se reproduzirem.

Assim, pessoas com formação universitária tendem a casar entre si e, no espectro inverso, pessoas com poucos estudos tendem também a atrair-se mutuamente.

O desequilíbrio neste “mercado dos genes” torna-se ainda mais gravoso quando consideramos que pessoas com formação universitária obtida em escolas de elite tendem também a casar entre si, gerando crianças que, em média, serão, segundo o autor, ainda mais "espertas" ("smart" é a expressão utilizada) que as demais.

A conclusão de Murray e que este espantosamente defende não estar sujeita a refutação, é a de que nas próximas gerações um número desproporcional de crianças excepcionalmente capazes irão descender de progenitores nas classes média-alta e alta, mais especificamente de pais que já pertençam à elite.

Pois bem, toda a argumentação deste artigo, publicado numa das mais prestigiadas revistas americanas, parece-me débil e falaciosa, procurando enviesadamente explicar fenómenos sociais por factores genéticos.

Vejamos porquê.

Comecemos pela premissa a base, a de que os elevados níveis de remuneração que, no fundo, são a causa do agravamento do fosso económico entre as diversas classes sociais, se devem às superiores capacidades cognitivas daqueles que deles beneficiam.

Na realidade, não parece existir nenhuma argumentação "irrefutável" a sustentar esta ideia. Bem pelo contrário, factores como o enquadramento social original e a capacidade de empatia e boa estratégia política no interior das grandes organizações parecem ser os factores preponderantes na obtenção de níveis remuneratórios elevados.

A ser como o autor sugere, os profissionais nos sectores de pesquisa científica integrariam a classe dos melhor remunerados o que, salvo raríssimas excepções, não sucede em lado nenhum.

Como diversos estudos tendem a demonstrar para o sector financeiro, alguns dos profissionais mais bem remunerados nesta área, na prática, não acrescentam qualquer valor especial e o seu estatuto profissional não advém certamente de qualquer mais valia especial em termos cognitivos.

Desconstruindo, então, esta premissa básica, podemos sugerir que o peso do casamento entre iguais não se fará sentir de forma tão evidente na herança genética da descendência (embora seja inegável a sua relevância a todos os níveis, inclusive no que concerne às capacidades cognitivas), mas sobretudo no aumento da possibilidade das crianças serem criadas num meio que, por acção de diversos factores, cultiva e deixa florescer o seu potencial genético.

O enquadramento social também será preponderante para que essas crianças, chegadas à vida adulta, possam usufruir da oportunidade para fazer uso das suas capacidades (e serem remuneradas para tal).

De facto, as crianças que nasçam em "ambientes de elite" tendem a relacionar-se nas suas escolas e na sua vida social com outras crianças igualmente privilegiadas económica e socialmente, pelo que mais tarde, aquando do ingresso na vida adulta, as teias sociais criadas irão potenciar a respectiva progressão profissional. 

Pela negativa, um enquadramento menos favorável tenderá a favorecer relações sociais menos propensas à progressão profissional.

Toda a argumentação contida no artigo, embora aludindo a factos interessantes e que nos devem fazer pensar, parece-me entroncar numa tradição perigosa que procura descortinar nos “genes” a explicação para diferenças de sorte e fortuna entre os homens.

O autor desconsidera a possibilidade da justificação para que uma pequena elite aufira remunerações tão desproporcionais não radicar em maiores capacidades cognitivas genéticas (e portanto recebidas pelos genes dos pais), mas tão somente (ou pelo menos primordialmente) nas diferentes condições de desenvolvimento (não apenas em termos de nutrição e acompanhamento médico, mas também cultural e emocionalmente) e nos diferentes enquadramento sociais que, logo à nascença, separam muitos daqueles que integram as nossas complexíssimas sociedades.

Na realidade, se quisermos encontrar uma base “genética” para as diferenças sociais, então o caminho talvez seja bem diferente e as conclusões acabem por tirar algum brilho deste suposto desfasamento da qualidade da carga genética entre os filhos de uns e os filhos dos outros.


Veja o meu post sobre essa explicação alternativa.


10 de fevereiro de 2012

Os gatos estão a enlouquecer-nos?


Tem um gato em casa? Já ouviu certamente falar da toxoplasmose e dos perigos que esta doença representa para mulheres durante a gravidez, nomeadamente o risco que comporta de provocar danos cerebrais no feto.

(via Wikipedia)
Em adultos saudáveis, o sistema imunitário é normalmente suficiente para conter a ameaça e depois de alguns breves sintomas semelhantes aos de uma vulgar gripe, os parasitas ficariam dormentes e inofensivos no nosso organismo.

Tem sido essa, pelo menos, a convicção da comunidade científica até aqui.

O que a The Atlantic, num artigo de Kathleen Mcauliffe, nos relata aqui é a possibilidade espantosa, ainda que assustadora, dos pequenos microorganismos protozoários associados à toxoplasmose, os Toxoplasma gondii, serem, na realidade, parasitas com capacidade de, interferindo nas ligações entre os nossos neurónios, controlar o cérebro humano, afectando as nossas reacções, induzindo comportamentos auto-destrutivos (inclusive o suicídio), aumentando o risco de acidentes automóveis e podendo estar na origem de casos de demência e esquizofrenia.

No ciclo de vida do parasita Toxoplasma, a reprodução só ocorre no interior do organismo de roedores. Como tal, para depois chegar aos gatos, de onde são expelidos pelas fezes permitindo que o ciclo se reinicie, é essencial que estes felinos ingiram ratos infectados.

O que as pesquisas demonstraram é que os roedores infectados têm, em regra, menor preocupação com predadores em espaços abertos e são mais activos fisicamente, o que os torna também mais vulneráveis, considerando que os gatos são atraídos por objectos em movimento rápido.

(via Wikipedia)
Joanne Webster, parasitologista no Imperial College de Londres, para além de ter confirmado a predisposição para o risco nos ratos infectados, demonstrou também que, por estranho que isso possa parecer, em vez de se sentirem repelidos pelo odor da urina de gato, estes roedores passam a sentir uma notória atracção pelo mesmo. Por outro lado, outros estudos demonstraram que as fêmeas se sentiam mais atraídas por machos infectados, o que não deixa de ser incrível sabendo-se que os parasitas se transmitem sexualmente entre os roedores.

No meio desta teia de relações, os humanos são tidos como portadores involuntários, uma vez que chegados ao organismo do homem acaba por ser forçado a interromper o seu ciclo de vida.
Todavia, considerando que partilhamos uma grande maioria dos genes dos ratos, não é disparatado considerar que o Toxoplasma nos pode “confundir”.

A grande questão que se colocou a Jaroslav Flegr, um biólogo da Universidade de Praga, o cientista que primeiro lançou esta hipótese, era a de saber se também seríamos vulneráveis à manipulação cerebral.

Por incrível que parece, e o artigo da The Atlantic é bastante exaustivo a enumerá-los, diversos estudos parecem sugerir que as coisas se passam efectivamente assim. Confirmando relação entre aumento dos suicídios, sinistros rodoviários, demência e esquizofrenia e a presença do parasita nas populações estudadas.

Por outro lado, e no que concerne à relação entre o Toxoplasma e a esquizofrenia, o psiquiatra E. Fuller Torrey lembra que embora se tenha dito que a esquizofrenia sempre esteve presente nas sociedades humanas, na verdade a literatura epidemiológica contradiz esta afirmação. A notoriedade desta condição só surge na segunda metade do século XVIII, coincidindo com o momento em que tanto em Londres como Paris se começaram a adoptar gatos como animais domésticos.

Torrey e o colega Robert Yolken, neurologista na Johns Hopkins University, descobriram que a prevalência da doença é 2 ou 3 vezes mais comum em pessoas que são portadoras do parasite do que em indivíduos da mesma região utilizados como controles experimentais.

As boas notícias, segundo o artigo citado, são que se o seu gato só viver em casa, então não representa perigo, porque não tendo contacto com ratos, o Toxoplasma não o irá infectar. Mas mesmo que frequentem os espaços livres, os gatos só expelem o parasita por um período de três semanas na sua vida, tipicamente quando são jovens e começam a caçar. Nessa fase, bons cuidados de higiene (mesas e bancas de cozinha limpas, contacto limitado com o gato e manutenção da caixa de areia) devem ser suficientes para que o perigo de infecção seja quase removido.

Igualmente fascinantes (ainda que assustadoras) são as hipóteses que o artigo lança relativamente ao “controlo” cerebral por parte de microorganismos, lembrando o aumento dos impulsos sexuais que se registam antes de um episódio de herpes ou nos estados avançados da sífilis, como se os parasitas fizessem um esforço para forçarem os seus hospedeiros a colaborarem na sua disseminação.

A natureza, mesmo quando assusta, não deixa de fascinar.

8 de fevereiro de 2012

Sistemas de valores que estão subjacentes à clivagem política entre Direita e Esquerda


Explorando a temática de um post anterior, e a título de curiosidade, na Atlantic pode encontrar um artigo sobre os sistemas de valores que estão subjacentes à clivagem política entre Direita e Esquerda (ou, na terminologia inerente à realidade política dos E.U.A., entre Conservadores e Liberais).

Sustenta o autor, Thomas Byrne Edsall, que, em regra, a identificação política de cada um de nós traduz a adesão a um conjunto de valores que se reflecte em todos os aspectos da nossa existência social e cívica.

Assim, as diferenças de opinião no debate político muitas vezes traduzem clivagens bem mais profundas na forma de estar e de ver o mundo, o que ajuda a explicar o tom radical que frequentemente permeia o discurso político e a cegueira que ocasionalmente é demonstrada por ambos os lados da barricada face a argumentos válidos produzidos pelos antagonistas.

As pesquisas no campo da psicologia política também tendem a sustentar que as ideologias mais conservadoras (i.e. de Direita) tendem a ser referidas com expressões que habitualmente associamos à masculinidade (força, frieza, austeridade, combatividade, adesão às hierarquias) e mais liberais (i.e. à Esquerda) surgem associadas a aspectos que culturalmente enquadramos na feminilidade (compromisso, tolerância, equilíbrio, sensibilidade e individualismo).

Um estudo de Dana Carney da  Columbia University, John Jost da New York University, Samuel Gosling da University of Texas, e Jeff Potter da Atof, Inc., no seu trabalho de 2008, "The Secret Lives of Liberals and Conservatives:Personality Profiles, Interaction Styles, and the Things They Leave Behind" teorizaram que há certos traços de personalidade associados a orientações liberais ou de Esquerda e outros associados a orientações conservadoras ou de Direita.

Aqui ficam, então, essas marcas "políticas":

Liberais/Esquerda
Desaprumados, ambíguos, indiferentes, excêntricos, sensíveis, individualistas; abertos, tolerantes, flexíveis; amantes da vida, livres, imprevisíveis; creativos, imaginativos, curiosos; expressivos, entusiásticos; excitáveis, buscando sensações; desejosos da novidade, diversidade; descontrolados, impulsivos; complexos, com “nuances”; mentes abertas; abertos a experiências.

Conservadores/Direita
Livres de ambiguidade no pensamento, persistentes, tenazes; duros, masculinos, firmes; fiáveis, confiáveis, com fé, leais; estáveis, consistentes; rígidos, intolerantes; convencionais, vulgares; obedientes, conformistas; temerosos, ameaçados; xenófobos, preconceituosos; ordenados, organizados; poupados, relutantes em gastar ou dar; estéreis; obstinados, teimosos; agressivos, zangados, vingativos; cuidadosos, práticos, metódicos; reservados, contidos; severos, frios, mecânicos; ansiosos, desconfiados, obsessivos; auto-controlados; contidos, inibidos; preocupados com as regras, normas; moralistas; simples, decididos; de mentes fechadas; conscienciosos.

A equipa de Carney descreve o conservadorismo como uma crença ideological que está significativamente (mas não inteiramente) relacionada com preocupações motivacionais que se relacionam com a gestão psicológica da incerteza e do medo. Como tal, preocupações com o medo e a “ameaça” podem também explicar o segundo núcleo do conservadorismo, o patrocínio da desigualdade.




Aqui, importa lembrar o post anterior sobre as possíveis origens do pensamento racista e xenófobo e da sua relação com os medos que nos assolam no confronto com a "diferença".

Um aspecto que a leitura deste artigo não foca, mas que me interessa diz respeito à ocasional desconformidade entre os sistemas de valores que na realidade orientam determinadas pessoas na condução das suas vidas privadas e depois as suas escolhas e alianças políticas. 

Com efeito, é frequente deparar-me com pessoas que se afirmam de Direita, mas que, na realidade, professam um estilo de vida e todo um conjunto de valores que não encontra tradução nas orientações políticas dos partidos dessa linha ideológica.

Por outro lado, também é frequente ver ligados a partidos e facções de Esquerda, pessoas que, na prática, têm uma atitude extraordinariamente conservadora perante a vida.

Em muitos casos, a sensação empírica é a de que os partidos e a predisposição política, para muitos de nós, assume um carácter quase clubístico, definindo-se mais em função do nosso círculo de amizades e relacionamentos e da nossa tendência inata para nos “integrarmos” do que propriamente na sequência de decisões racionais e ponderadas.

Assim se explicará, pelo menos nalguns casos, a incongruência entre o discurso de alguns políticos e as suas escolhas privadas, professando publicamente determinados ideais e tomando, em privado, decisões que apenas fazem sentido quando legitimadas por um sistema de valores antagonista.

Racismo e preconceito: sugestão de explicação


O racismo e o preconceito xenófobo têm desde há muito sido associados a baixos níveis em testes de QI.


Todavia, como noticia o The Huffington Post, novos estudos apontam para uma explicação genética para o pensamento xenófobo e a intolerância.

De facto, começa a ser sugerido que o preconceito está programado nos nossos genes, sendo um resquício do nosso processo evolutivo desde tempos imemoriais, quando os para humanos, vivendo agrupados em tribos, fazia sentido ver os estranhos com hostilidade.

O autor de um destes estudos, o Dr. Mark van Vugt referiu ao The Telegraph que a sua pesquisa sugere que a mente humana esteja moldada para perpetuar o conflito com estranhos.

O The Huffington Post cita ainda o biólogo da Michigan State University, Dr. Carlos Navarrete, que essa predisposição ajuda a explicar as rivalidades e a hostilidade que tem por base a nacionalidade, etnicidade, escolas, tribos, gangues, partidos e facções políticas e todas as demais instituições que agrupam os humanos socialmente.

A investigação parece apontar para uma explicação genética para todo o género de rivalidades, de que as desportivas são um bom exemplo, que de outro modo dificilmente podem ser explicadas. Na verdade, é difícil justificar o ódio que um adepto do Flamengo pode sentir por um clube rival que nunca viu e não conhece ou a hostilidade de um Benfiquista para com um desconhecido que envergue um cachecol do Sporting.


E o preconceito é apenas uma “programação” masculina?

Os autores do estudo não tiram conclusões definitivas, mas sustentam que as dinâmicas entre gupos podem ter tido um impacto diferente no desenvolvimento psicológico dos homens e das mulheres.

Navarrete também refere que a aparência física do "outro" também influi na lógica do preconceito.

Alguns estudos feitos com mulheres brancas verificaram que estas avaliavam homens negros de uma forma diferente consoante o momento do seu ciclo menstrual em que se encontravam. Assim, os homens eram vistos como mais “assustadores” ou “pouco atractivos” nos dias em que era mais provável que concebessem caso mantivessem relações sexuais.

Outros estudos confirmaram que independentemente da raça, as mulheres, nessas alturas, demonstravam reacções mais negativas para com homens que tivessem um aspecto fisicamente possante, por oposição àqueles com físicos mais frágeis.

(via prisonphotography.wordpress.com)
Genericamente, estes estudos tendem a reforçar a ideia de que as mulheres tendem a reagir negativamente perante a diferença, mas apenas em contextos que imaginem como potencialmente perigosos. Assim, eliminada a sensação de perigo ou de existir potencial para a coação física, as reacções tendem a normalizar.

Os dados aqui expostos, paradoxalmente, permitem algum optimismo no desenvolvimento de sociedades futuras menos atreitas a comportamentos racistas ou xenófobos, porquanto tornam evidente que é sobretudo a sensação de perigo que a diferença suscita que acaba por gerar sentimentos negativos em relação aos outros.

Assim, esforços feitos no sentido de nos familiarizarmos com as evidentes e incontestáveis diferenças físicas e culturais entre os humanos, de forma a normalizar a nossa reacção às mesmas e assim esbater a sensação de perigo que parece influir tão negativamente no nosso comportamento. No fundo, o esforço deve ir no sentido de impedir que a diferença seja causa de medo.



7 de fevereiro de 2012

Acredita que tempo é dinheiro? Então perceba o impacto que essa ideia pode ter na sua vida


Os tempos livres são geralmente considerados como aqueles momentos do dia em que não estamos entregues aos nossos afazeres profissionais.

Pois bem, novas pesquisas têm vindo a demonstrar que as pessoas com a tendência para avaliar a utilização do tempo em função de critérios economicistas, no fundo aderindo ao velho adágio de que “tempo é dinheiro”, têm a tendência a sentir-se impacientes quando não estão a utilizá-lo para ganhar dinheiro.

Ou seja, fora dos seus horários de trabalho, esse grupo de pessoas acabam por sentir dificuldades em apreciar os seus tempos livres e em experimentarem felicidade durante as suas actividades de lazer.

Sanford DeVoe, um dos dois investigadoras da Rotman School of Management, da Universidade de Toronto, responsável por um estudo nesta matéria, considera mesmo que “tratar o tempo como dinheiro pode sabotar o nosso bem-estar”.

Experiências demonstraram que pensar no tempo em termos económicos acaba por afectar negativamente a maneira subjectiva como o experimentamos.


Estas conclusões são sobretudo importantes para pessoas que desenvolvem actividades profissionais sem sujeição a um horário (seja porque trabalham à hora, por tarefa ou por resultados, como os vendedores), que deverão estar atentas ao impacto que essa “monetarização” do tempo pode ter na sua predisposição para simplesmente apreciarem a vida.

O silêncio e a memória: uma relação complexa



Testando a ideia generalizada de que se não falarmos num assunto ele começa a desvanecer-se, Stone tem vindo verificar que a pesquisa não confirma esta hipótese.

Na verdade, a relação entre a memória e o silêncio é bem mais complexa.

Num estudo escrito em parceira com Alin Coman, da Universidade de Pittsburgh, Adam D. Brown da New York University, Jonathan Koppel da University de Aarhus e William Hirst da New School for Social Research, Stone e os seus colegas têm vindo a estabelecer alguns princípios básicos que nos interessa a todos manter presentes.

O silêncio acerca das memórias pode enquadrar-se comportamentalmente numa série de categorias. Pode, por exemplo, resultar de um silêncio propositado; a omissão, no contexto da conversa, pode acontecer simplesmente porque a memória não ocorre ao sujeito; ou o silêncio pode resultar do esforço activo por parte da pessoa no sentido de tentar não se lembrar.

Os investigadores verificaram, então, que o silêncio acerca de eventos passados não promove o esquecimento de uma maneira uniforme ou previsível.

Uma das regras que deduziram aponta para que, numa conversa, as pessoas tenham mais dificuldade em lembrar-se de memórias silenciadas relacionadas com aquilo de que estão a falar de que de memórias silenciadas sem relação com esse tópico.

Este princípio contra-intuitivo pode encontrar aplicações práticas em estratégias comunicacionais promovidas em contextos sociais ou políticos.

(via The Economist)
Um exemplo citado no press release da Association for Psychological Science diz respeito à utilização da suposta existência de armas de destruição maciça como pretexto para desencadear a invasão do Iraque por parte Administração dos E.U.A. liderada pelo Presidente George W. Bush.

Se se quiser que a opinião pública se esqueça da relação das armas de destruição maciça com o início da guerra, diz-nos a regra apurada por Stone e pelos seus colegas, que o Presidente, nesse caso, não deveria evitar falar da guerra e do seu início, mas tendo sempre o cuidado de, nesse contexto, silenciar as referências à questão das chamadas WMD (acrónimo para “weapons of mass destruction”).

Assim, insistindo no tema, mas calando a conexação, o silêncio acabará por dissipar a memória deste logro.

Será talvez útil ter este exemplo presente quando analisamos os múltiplos discursos públicos sobre as várias temáticas que agitam as nossas comunidades, de forma a tentar evitar as tentativas de manipulação e distorção da realidade (ramificações do fenómeno de spin) por intermédio de sofisticadas estratégias comunicacionais.

A um nível pessoal, continua o artigo, se uma mãe questiona uma filha sobre um encontro com o namorado e esta relata o evento sem mencionar à progenitora o fim escaldante da noite, esse silêncio propositado fará com que o final romântico não mencionado se cristalize na memória da rapariga com maior intensidade.

Assim, transportando as ideias do grupo de trabalho de Stone para a pessoalíssima esfera afectiva, é fácil perceber como certos comportamentos parentais, pelo grau de repressão e censura moral que propugnam, acabem por encorajar os miúdos a silenciar certos aspectos das suas vidas, redundando num efeito prático contraproducente: o reforço justamente dos comportamentos menos desejados pelos pais.



Conclui Stone que o “silêncio tem implicações importantes para a forma como nos lembramos do passado que vão para além do simples esquecimento”. No que diz respeito à memória, nem todos os silêncios são iguais.


Aqui fica o sumário (abstract) do trabalho de Charles Stone.


Silence about the past permeates acts of remembering, with marked mnemonic consequences. Mnemonic silence—the absence of expressing a memory—is public in nature and is embedded within communicative acts, such as conversations. As such, silence has the potential to affect both speakers—the source of the silence—and listeners—those attending to the speaker. Although the topic of silence is widely discussed, it is rarely mentioned in the empirical literature on memory. Three factors are employed to classify silence into different types: whether a silence is accompanied by covert remembering, whether the silence is intentional or unintentional, and whether the silenced memory is related or unrelated to the memories emerging in a conversation. These factors appear to be critical when considering the mnemonic consequences. Moreover, the influence of silence on memory varies between speaker and listener. Although rarely mentioned, recent empirical research on memory clearly has a bearing on a topic of such general interest as silence.