10 de fevereiro de 2012

Os gatos estão a enlouquecer-nos?


Tem um gato em casa? Já ouviu certamente falar da toxoplasmose e dos perigos que esta doença representa para mulheres durante a gravidez, nomeadamente o risco que comporta de provocar danos cerebrais no feto.

(via Wikipedia)
Em adultos saudáveis, o sistema imunitário é normalmente suficiente para conter a ameaça e depois de alguns breves sintomas semelhantes aos de uma vulgar gripe, os parasitas ficariam dormentes e inofensivos no nosso organismo.

Tem sido essa, pelo menos, a convicção da comunidade científica até aqui.

O que a The Atlantic, num artigo de Kathleen Mcauliffe, nos relata aqui é a possibilidade espantosa, ainda que assustadora, dos pequenos microorganismos protozoários associados à toxoplasmose, os Toxoplasma gondii, serem, na realidade, parasitas com capacidade de, interferindo nas ligações entre os nossos neurónios, controlar o cérebro humano, afectando as nossas reacções, induzindo comportamentos auto-destrutivos (inclusive o suicídio), aumentando o risco de acidentes automóveis e podendo estar na origem de casos de demência e esquizofrenia.

No ciclo de vida do parasita Toxoplasma, a reprodução só ocorre no interior do organismo de roedores. Como tal, para depois chegar aos gatos, de onde são expelidos pelas fezes permitindo que o ciclo se reinicie, é essencial que estes felinos ingiram ratos infectados.

O que as pesquisas demonstraram é que os roedores infectados têm, em regra, menor preocupação com predadores em espaços abertos e são mais activos fisicamente, o que os torna também mais vulneráveis, considerando que os gatos são atraídos por objectos em movimento rápido.

(via Wikipedia)
Joanne Webster, parasitologista no Imperial College de Londres, para além de ter confirmado a predisposição para o risco nos ratos infectados, demonstrou também que, por estranho que isso possa parecer, em vez de se sentirem repelidos pelo odor da urina de gato, estes roedores passam a sentir uma notória atracção pelo mesmo. Por outro lado, outros estudos demonstraram que as fêmeas se sentiam mais atraídas por machos infectados, o que não deixa de ser incrível sabendo-se que os parasitas se transmitem sexualmente entre os roedores.

No meio desta teia de relações, os humanos são tidos como portadores involuntários, uma vez que chegados ao organismo do homem acaba por ser forçado a interromper o seu ciclo de vida.
Todavia, considerando que partilhamos uma grande maioria dos genes dos ratos, não é disparatado considerar que o Toxoplasma nos pode “confundir”.

A grande questão que se colocou a Jaroslav Flegr, um biólogo da Universidade de Praga, o cientista que primeiro lançou esta hipótese, era a de saber se também seríamos vulneráveis à manipulação cerebral.

Por incrível que parece, e o artigo da The Atlantic é bastante exaustivo a enumerá-los, diversos estudos parecem sugerir que as coisas se passam efectivamente assim. Confirmando relação entre aumento dos suicídios, sinistros rodoviários, demência e esquizofrenia e a presença do parasita nas populações estudadas.

Por outro lado, e no que concerne à relação entre o Toxoplasma e a esquizofrenia, o psiquiatra E. Fuller Torrey lembra que embora se tenha dito que a esquizofrenia sempre esteve presente nas sociedades humanas, na verdade a literatura epidemiológica contradiz esta afirmação. A notoriedade desta condição só surge na segunda metade do século XVIII, coincidindo com o momento em que tanto em Londres como Paris se começaram a adoptar gatos como animais domésticos.

Torrey e o colega Robert Yolken, neurologista na Johns Hopkins University, descobriram que a prevalência da doença é 2 ou 3 vezes mais comum em pessoas que são portadoras do parasite do que em indivíduos da mesma região utilizados como controles experimentais.

As boas notícias, segundo o artigo citado, são que se o seu gato só viver em casa, então não representa perigo, porque não tendo contacto com ratos, o Toxoplasma não o irá infectar. Mas mesmo que frequentem os espaços livres, os gatos só expelem o parasita por um período de três semanas na sua vida, tipicamente quando são jovens e começam a caçar. Nessa fase, bons cuidados de higiene (mesas e bancas de cozinha limpas, contacto limitado com o gato e manutenção da caixa de areia) devem ser suficientes para que o perigo de infecção seja quase removido.

Igualmente fascinantes (ainda que assustadoras) são as hipóteses que o artigo lança relativamente ao “controlo” cerebral por parte de microorganismos, lembrando o aumento dos impulsos sexuais que se registam antes de um episódio de herpes ou nos estados avançados da sífilis, como se os parasitas fizessem um esforço para forçarem os seus hospedeiros a colaborarem na sua disseminação.

A natureza, mesmo quando assusta, não deixa de fascinar.

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