2 de fevereiro de 2012

Será que a timidez compromete a inteligência?


Na sequência de um post anterior que pode ler aqui, um aspecto complementar a considerar passa pela eventual relação entre a expressão e exteriorização das nossas capacidades cognitivas e as variações nos nossos graus de “audácia” social.

Como relatam Raymond e Lorna Coppinger no seu clássico “DOGS:A Startling New Understanding of Canine Origin, Behavior, and Evolution”, diversos estudos laboratoriais concluíram, seleccionando ratos de acordo com a sua capacidade de encontrar a saída em percursos labirínticos, que a capacidade e, num segundo momento, a velocidade com que alguns animais solucionavam o problema estava mais ligada à audácia do que propriamente a superiores capacidades intelectuais.

Assim, ao cabo de algumas gerações deste processo de selecção artifical os investigadores desenvolveram uma estirpe de ratos que solucionava os labirintos com incrível rapidez.

Todavia, num momento posterior, ao compararem este novo grupo com animais que não haviam sido seleccionados com base no critério de “rapidez na solução do labirinto”, verificou-se que, de facto, os resultados observados no labirinto não tinham qualquer relação com inteligência, mas apenas com diminuição da timidez. 

Alguns animais, sendo mais tímidos (os “pouco inteligentes”) não se lançavam tão afoitos no labirinto, outros (os “inteligentes”), menos receosos, avançavam de imediato, resolvendo com uma aparente destreza um teste que os seus congéneres falhavam. 

O que os investigadores verificaram foi que, ao contrário do que era esperado, o seu processo de selecção artificial não culminou no desenvolvimento de uma estirpe de ratos mais inteligentes, mas sim numa estirpe de ratos mais audazes.


(via ezinemark.com)
Estas experiências, não envolvendo directamente uma correlação entre as dinâmicas de grupo e os níveis de QI como a que é mencionada no post a que fiz referência, fornece um argumento mais para que se considere que existem laços directos entre a audácia e a inteligência ou, com mais precisão, entre a audácia e a capacidade de mobilizarmos e exteriorizarmos as nossas capacidades intelectuais.

Para alguns humanos, as dinâmicas de grupo podem induzir tanto stress como para um rato tímido o ambiente desconhecido do labirinto, mesmo que este não seja abertamente hostil, inibindo-os de mobilizar com efectividade todo o seu potencial intelectual.

Esta constatação lança pistas para a importância que a cultura da desinibição pode assumir no nosso processo educativo. Com efeito, a audácia, embora comporte riscos, é um factor determinante no processo de expressarmos na nossa plenitude num contexto social.

Daqui podemos também extrapolar este raciocínio para a relação entre a desinibição e a criatividade, notando que, com frequência, a uma maior desinibição social estão associados potenciais criativos mais elevados. 

A este respeito, e a título quase anedótico, lembro-me sempre das diferenças que se notaram no mercado publicitário quando, nos anos 80, os profissionais brasileiros começaram a deixar a sua marca em Portugal.

Do Brasil, com a sua cultura de desinibição e liberdade intelectual parecia fluir uma energia criativa que nos parecia quase mágica, transformando as nossas realizações criativas, salvo honrosas excepções, em exercícios tíbios e cinzentos. 

Depois, à medida que a sociedade portuguesa se libertava dos constrangimentos culturais a que décadas de repressão cultural e moral a haviam votado, deu-se uma transfiguração brutal  nas mentalidades e formas de abordar as várias actividades profissionais que, em muitos aspectos, nos deixou numa vanguarda que hoje, tida por adquirida, desvalorizamos e não cuidamos de acarinhar.


Assim, na relação entre timidez, audácia e inteligência, torna-se difícil resistir à tentação de citar Morrissey, o vocalista dos The Smiths, quando cantava:
Shyness is nice
But shyness can stop you
From doing all the things in life you would like to 


Sem comentários: